Em decorrência do advento da Lei nº 10.480 de 02 de julho de 2002, que criou a Procuradoria Geral Federal, as autarquias e fundações públicas passaram a ser representadas judicialmente pela Procuradoria Geral da União, órgão vinculado à Advocacia Geral da União[1]. Desta forma, a Procuradoria Federal do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), na qualidade de unidade executora da Procuradoria Geral da União, detém o poder para representar judicialmente a autarquia, qual seja, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), em todo o território nacional.
A luz dos estudos do Procurador Federal António André Muniz de Souza, em meados de 2004, a Procuradoria Federal do INPI vinha defendendo, sem gozar de unanimidade entre seus membros, que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, nas ações que buscam a nulidade de registros de marcas e patentes, deveria figurar como assistente litisconsorcial sui generis ou especial, ora do autor, ora do réu, dependendo de quem estiver com o melhor direito, levando-se em conta os fundamentos e as provas trazidas pelas partes e o pronunciamento indispensável das Diretorias Técnicas do INPI[2].
De acordo com o Procurador Federal na Procuradoria Regional do INPI, António André Muniz de Souza:
“Tal posicionamento deriva de exegese de dispositivos da lei 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial – LPI) conjugados com o sistema de intervenção de terceiro do Código de Processo Civil e acarreta conseqüências determinantes para os atos a serem praticados pelo INPI nos processos de nulidade.”[3]
O antigo Código de Processo Civil, instituído pelo Decreto Lei nº 1.608/1939, continha um título específico sobre a questão da posição assumida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) nas ações de nulidade de marcas e patentes, denominado: “Da ação de nulidade de patente e invenção e de marca de indústria e de comércio”.
Anteriormente, tal dispositivo especificava quem tinha legitimidade para a propositura da ação de nulidade. Entre os legitimados, encontravam-se os Procuradores da República, que poderiam figurar como assistente ou litisconsorte e, ainda, podiam continuar com a ação, mesmo que houvesse acordo entre as partes no curso do processo, se o interesse público o exigisse. Porém, este título foi revogado com o advento do Código de Processo Civil de 1973.
O Código de Processo Civil de 1973 deixou de tratar especificamente sobre as ações de nulidade referidas, e passou a tratar sobre as hipóteses de intervenção de terceiros, com isso, antes do advento da Lei 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), havia dúvida se o INPI deveria ou não intervir no processo quando interposta ação de nulidade entre o particular – autor e o particular – réu.
Esta questão era de grande relevância a época, pois determinaria, inclusive, a competência do órgão do Poder Judiciário que processaria e julgaria a causa, que poderia ser a Justiça Estadual, se o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) não interviesse, ou então, a Justiça Federal, caso este interviesse.
Todavia, tanto a doutrina como também a jurisprudência, fizeram prevalecer o entendimento de que a intervenção do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) era indispensável, pois é o órgão concessor e registrador das marcas e patentes e desta forma, os efeitos da sentença recairiam, inevitavelmente, sobre esta autarquia.
Ora, já que a questão da intervenção estava apaziguada, restava saber qual posição a autarquia assumiria na relação processual de nulidade de registro de marcas e patentes.
Com o advento da Lei nº 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), acreditou-se que esta iria apaziguar a questão, mas, surpreendentemente, apesar de sua apurada técnica legislativa geral, a nova lei não solucionou o problema, apenas fixou a intervenção do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) como obrigatória, quando este não for autor nas ações de nulidade, conforme o disposto nos artigos 57 e 175 da Lei nº 9.279/1996[4]:
“Artigo 57 caput – A ação de nulidade de patente será ajuizada no foro da Justiça Federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito”
“Artigo 175 caput – A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito”.
Como podemos ver, trata-se de um ponto conturbado no Direito Processual Civil brasileiro, notadamente pela divergência doutrinaria e jurisprudencial. Embora muitos defendam que o tema não mereça maiores discussões, pois os artigos 57 e 175 da Lei nº 9.279/1996 teriam rechaçado quaisquer dúvidas ao preceituar que o INPI quando não for autor da ação de nulidade intervirá no feito, excluindo, assim, qualquer posicionamento que admita sua conduta passiva, pecam esses pensadores, pois na prática pairam dúvidas acerca da melhor interpretação desses dispositivos.
Com tantas discussões em torno da questão, fica em aberto a pergunta. Qual a posição processual assumida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial nas ações de nulidade de registro de marcas e patentes?
Para responder essa questão, temos que lembrar que o registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é quem confere eficácia erga omnes, atribuindo àquele que o promoveu a propriedade e o uso exclusivo da marca ou da patente.
A Lei 9.279/96 em seu artigo 240, da nova redação ao artigo 2º da Lei nº 5.648/70, que passa a ter a seguinte redação:
“Art. 2º – O INPI tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se quanto à conveniência da assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial”.
Antigamente, em alguns países europeus, como por exemplo, Itália e França, era adotado um sistema de tramitação dos pedidos de registros em geral, chamado de “livre concessão”, ou seja, caracterizava-se pelo fato de que o processo administrativo de concessão de registros, limitava-se unicamente à verificar o atendimento das formalidades legais, dispensando a análise do mérito do pedido, isto é, o preenchimento das condições de registrabilidade.
Em contrapartida àquele, existe o sistema de “exame prévio”, adotado nos Estados Unidos e na Alemanha, por exemplo. O professor Fábio Ulhoa Coelho, em seus ensinamentos cita o ilustre Carvalho de Mendonça, que identifica dois outros sistemas além dos já citados, quais sejam: o de “aviso prévio e secreto”, criado pelo direito suíço, e o de “publicação prévia”, criado pelo direito inglês em 1907.
Nos dias atuais, devido à globalização, com a expansão mercadológica e o advento da grande concorrência, fica claro que o sistema predominante é o de “exame prévio”, tendo em vista às garantias que este método proporciona.
No Brasil, o direito relacionado à propriedade industrial era filiado ao sistema de “exame prévio”, desde 1923, porém, com o advento da Lei 9.279/1996, adotou-se um sistema misto, qual seja: enquanto os pedidos de patente de invenção e de modelo de utilidade, bem como o de registro de marcas continuam sujeitos ao sistema de exame prévio, por outro lado, os pedidos de registro de desenhos industriais, ficam submetidos a um sistema próximo ao de livre concessão. Para responder à questão posta, neste estudo nos interessa o sistema de exame prévio, decorrente dos pedidos de registros de marcas e patentes.
Pois bem, não há dúvidas que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) tem inegável responsabilidade na execução das normas que regulam a propriedade industrial no Brasil, cabendo-lhe o veredicto, seja do ponto de vista jurídico, social e econômico, acerca da concessão ou não de privilégios de patente e registros de marcas, devendo zelar por sua correta aplicação.
Porém, nem sempre a atuação do INPI é isenta de impugnações. Nesta circunstância, a parte que se sentir lesada ou prejudicada pode invocar a tutela jurisdicional para reformar o ato administrativo.
Havendo provocação do estado por parte do particular que se sentir lesado pelo ato praticado pelo INPI visando anulação desse ato, dita as regras da Lei 9.279/96 que o INPI obrigatoriamente intervirá no feito, porém, tanto no antigo Código de Processo Civil de 1973, como no atual Código de Processo Civil de 2015, não há uma figura específica para caracterização do INPI na lide, uma vez que as espécies de intervenção de terceiro previstas em nosso ordenamento processual não se aplicariam ao caso.
Diante do impasse, muitos defendem que o INPI assume o papel de Assistente Litisconsorcial, uma vez que tem interesse jurídico próprio, ou seja, também é titular da relação jurídica com o adversário do assistido. Isso quer dizer que o assistente litisconsorcial, por ser co-titular do direito discutido em juízo e, por ter plenos poderes processuais, é equiparado ao litisconsorte, o que significa dizer, que também será atingido pela eficácia da sentença.
Seguindo essa linha chegou a expor o ilustre José Carlos Tinoco Soares, que:
“Salienta-se que a ação de anulação de patente deverá ser proposta contra o titular da patente, que no caso é a ré, figurando o INPI como assistente para intervir no feito…
Salienta-se que a ação ordinária de anulação de registro de marca deverá ser proposta contra o titular do registro, figurando o INPI como assistente para intervir no feito…”[5]
Ainda nesta linha, temos Luiz Guilherme de A. V. Loureiro:
“No pólo passivo da ação deve figurar o titular da patente cuja nulidade é alegada. Todos os titulares constantes do registro devem estar presentes no pólo passivo da ação.
Quando o INPI não for autor da ação, deverá necessariamente figurar como interveniente no feito, sob pena de nulidade da ação. No pólo passivo da ação deve figurar o titular da marca cuja nulidade é alegada.”[6]
A própria Procuradoria Federal do INPI chegou a defender, sem gozar de unanimidade entre seus membros, que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, nas ações que buscam a nulidade de registros de marcas e patentes, deva figurar como assistente litisconsorcial, ora do autor, ora do réu, dependendo de quem estiver com o melhor direito, como se pode verificar do trecho retirado de uma contestação apresentada pela autarquia: “Em ações dessa natureza que visem a nulidade de registro de marca, a sua posição não é outra senão a de assistente litisconsorcial, segundo preceitua o artigo 175 da Lei nº 9.279, de 14/05/96.”[7]
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região – TRF2, chegou a proferir diversas decisões nesse sentido, senão vejamos:
“PROPRIEDADE INDUSTRIAL E PROCESSO CIVIL. NULIDADE DE MARCA. POSIÇÃO PROCESSUAL DO INPI. DIREITO AUTORAL E DIREITO MARCÁRIO.
I – Em ação de nulidade de marca, é o INPI assistente litisconsorcial.
II – Recurso provido”[8]
“PROPRIEDADE INDUSTRIAL E NOME COMERCIAL. REGISTRO. POSIÇÃO PROCESSUAL DO INPI. COMPETENCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
I – A ação de nulidade de registro de marca e patente só pode ser intentada contra o titular do registro, isto é, a pessoa física ou jurídica a quem foi concedida a marca ou patente.
II – O INPI que realiza o registro, chamado ao processo, assumirá a posição de assistente do autor ou do réu.”[9]
“ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. COLIDENCIA DE MARCAS. POSIÇÃO PROCESSUAL DO INPI.
I – Sendo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial o órgão de registro e pertencendo o direito de propriedade decorrente ao titular da marca, este é que deve ser demandado em juízo, sendo a posição daquele a de assistente da parte que escolher.”[10]
Não obstante a linha que defende ser o INPI assistente nas ações de nulidade, também temos a corrente que defende que a autarquia deve figurar como réu.
Os que defendem essa linha alegam que o INPI tem responsabilidade objetiva pela concessão do registro, razão pela qual a situação fática justifica sua inclusão no polo passivo da demanda. Vejamos os esclarecimentos do magistrado José Antônio Lisboa Neiva, em seu artigo “Questões processuais envolvendo Propriedade Industrial”
“(…) Tendo em vista que praticou o ato impugnado e manteve-se inerte, bem como se mostra indispensável vinculá-lo ao comando da sentença a ser prolatada, não vejo outra saída senão a de incluí-lo no polo passivo, em face da necessariedade do litisconsórcio decorrente da relação jurídica de direito material posta em juízo. Ademais, diante da indispensabilidade de sua participação na relação processual, não se poderia imaginar a outra posição do INPI, quando do ajuizamento da ação de nulidade por interessado, que não fosse a de réu. Inexiste no ordenamento processual uma intervenção de terceiro que se ajustasse à hipótese, em função de sua obrigatoriedade.”[11]
Abaixo alguns julgados dos Tribunais Regionais apontando o INPI como réu:
“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. MARCAS. COLIDÊNCIA. RAMO MERCADOLÓGICO AFIM. POSIÇÃO PROCESSUAL DO INPI. REMESSA NECESSÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SENTENÇA ULTRA PETITA. ACERTAMENTO. Inexistindo controvérsia a respeito da similaridade gráfico-fonética das marcas em lide, forçoso é concluir pela irregistrabilidade da marca impugnada, quando se verifica que ela se destina a distinguir supermercados, enquanto que a marca cuja anterioridade se lhe opõe visa a distinguir alimentos como verduras, frutas, legumes e cereais. Conforme já assentado pacificamente na jurisprudência pátria, a posição processual do INPI, em causas onde se postula a decretação de nulidade de registro marcário, é de réu. Os honorários advocatícios devem ser estipulados de acordo com o grau de complexidade da causa e com a resistência oferecida pelos sucumbentes. O reconhecimento, de plano, por um dos réus, da procedência do pedido autora, impõe a distribuição não-equitativa dos honorários de advogado, devendo a parte que resistiu ao pedido, pagar percentual superior à co-ré que concordou com o pedido autoral. Deve ser acertada a sentença que condenou a ré, em sede de antecipação de tutela, a pagamento de multa pecuniária por violação de dever de abstenção de uso de marca, quando o pedido da autora se restringe a que a condenação seja imposta somente após o trânsito em julgado da sentença. 7 IV – APELACAO CIVEL 2003.51.01.503458-5 Apelo desprovido. Remessa necessária parcialmente provida.”[12]
“DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL. ANULAÇÃO DE REGISTRO DE MARCA NOMINATIVA QUE REPETE ELEMENTO CARACTERÍSTICO DE NOME EMPRESARIAL (ART. 8º DA CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS). I – Nas ações objetivando a anulação de registro de marca, uma vez que o ato impugnado é de atribuição do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, deve o mesmo figurar na relação jurídico-processual como réu. II – É admissível a cumulação entre os pedidos de invalidação do registro e de abstenção do uso da marca, cuja competência para apreciação é da Justiça Federal, em razão da conexão por prejudicialidade. III – Se o registro anulando, relativo à marca nominativa SPÉ, vale-se de elemento característico de nome empresarial de pessoa jurídica constituída em época anterior à data do depósito junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – a ele se aplica a vedação do art. 8º da Convenção Unionista de Paris e art. 124, V da Lei 9.279-96. IV – É também causa impediente do registro titularizado pelo apelante – SPÉ – a norma inserta no art. 124, XIX da Lei 9.279-96, porquanto a despeito de concedido a destempo, já havia a autora, ora primeira apelada, depositado junto àquela autarquia federal, pedido de registro para a marca mista que se vale do mesmo elemento – SPÉ – O SPA DO PÉ. V – Mesmo em vigor o princípio do sucumbimento para fins de fixação honorários advocatícios, pontualmente, ante o reconhecimento implícito do pedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial – é descabida sua condenação em tais verbas VI – Remessa necessária provida parcialmente para excluir da condenação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI a verba sucumbencial. VII – Apelação de Footwork Polólogos Ltda. – ME desprovida.”[13]
Recentemente, mais especificamente no dia 24 de abril de 2018, a Justiça Federal do Rio de Janeiro publicou a Portaria nº JFRJ-POR-2018/00110, por meio da qual os juízes federais das Varas Federais especializadas em matérias previdenciária e propriedade intelectual, consolidando entendimento da Seção Judiciária do Rio de Janeiro no sentido de que nas ações que visem anular a concessão de patente de invenção ou de modelo de utilidade, registro de desenho industrial ou registro de marca, o INPI, quando não for o autor, intervirá no feito, na qualidade de assistente especial.
O posicionamento trazido pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, que já vinha sendo aplicado pelos Tribunais, inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça, se deve ao fato de que em não detendo o INPI titularidade sobre o direito real cuja anulação se visa, não há como se admitir sua inserção no pólo passivo da demanda, haja vista inexistência do quesito da relação jurídica entre ambos, que reclama sentença uniforme.
Esse posicionamento já vinha sendo defendido pelos militantes da área, como podemos apurar dos esclarecimentos trazidos pelo advogado Dr. Fabiano de Bem da Rocha:
“(…) ainda que se admita a existência de relação jurídica entre o réu titular do registro anulado e o INPI, tal não importaria em admissibilidade da tese que considera a autarquia como capaz de responder pela ação anulatória, haja vista que o comando sentencial afetará apenas e tão somente, ao titular do direito controvertido na causa, não estendendo-se àquela, ressalvada a singela condenação de anotar em seus arquivos a desconstituição do registro ou da patente.” [14]
É fato que o legislador procurou legitimar o INPI a intervir de forma ampla e genérica, basta fazer a leitura do artigo 240 da Lei 9.279/96, o qual ao dar nova redação ao artigo 2º da Lei 5.648/70, criou o INPI, atribuiu-lhe a finalidade precípua de executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica.
Conforme bem explica António André Muniz de Souza:
“Está-se a tratar de valores caros a uma sociedade moderna, como desenvolvimento, livre iniciativa, tecnologia, investimento, produção, consumo, emprego, geração de capital, valor agregado, renda.
À vista disso, o legislador conferiu expressamente ao INPI legitimidade para propor ação de nulidade e ou intervir naquelas que não ajuizou. Outro não é o motivo para isso, senão o de preservar interesses impessoais. Nesse sentido, sua intervenção é especial, assim como a da União, como terceiro que tem interesse diverso do autor e do réu, razão pela qual o Instituto não assiste a esse ou aquele, porquanto atua de forma independente dos interesses das partes.”[15]
Porém, em recente portaria, datada de 20 de setembro de 2018, publicada sob nº JFRJ-POR-2018/00285, os juízes federais das Varas Federais especializadas em matérias previdenciária e propriedade intelectual, da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, não obstante o entendimento firmado, publicado na Portaria nº JFRJ-POR-2018/00110 de 24 de abril de 2018, mudaram de posicionamento, consolidando entendimento de que o INPI deve figurar inicialmente como réu nas ações de nulidade de marcas e patentes.
Ou seja, há uma grande confusão quanto à questão e data vênia, ouso aqui discordar do recente entendimento da Seção Judiciária do Rio de Janeiro.
Ora, como forma de solução do impasse doutrinário e jurisprudencial, a Lei 9.279/96 preceitua que o INPI intervirá nas ações de nulidade, referindo-se a uma intervenção forçada sui generis, ou seja, intervém o INPI como terceiro na qualidade de interveniente especial, e não como réu. A regra trazida pelos os artigos 57 e 175 são claras quanto a essa questão. O INPI tem a obrigação de defender o interesse social e do desenvolvimento tecnológico e econômico do país, a sentença de uma ação de nulidade proposta entre particulares não pode e nem deve lhe atingir na qualidade de réu.
É evidente que o INPI não está isento de praticar atos viciados, porém, a razão da existência dos artigos 57 e 175 da LPI em discussão, ao nosso ver não é regrar a ação de nulidade cuja causa de pedir seja fundada em vício de exame de mérito do INPI, até porque a legislação traz a possibilidade do próprio INPI figurar como autor nessas ações. O que buscou o legislador com os dois artigos mencionados é a possibilidade de propositura de ação de nulidade para desconstituir registros de marcas e patentes que estejam infringindo direito de particulares.
Nas ações fundamentadas pelos artigos mencionados, não se discuti vício praticado pela autarquia, mas sim infração de direito privado decorrente de ato administrativo praticado por uma Autarquia Federal que, por ser ato administrativo discricionário, pode ser revisto a qualquer momento:
Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim conceitua a discricionariedade:
“pode-se, portanto, definir a discricionariedade administrativa como a faculdade que a lei confere à Administração para apreciar no caso concreto, segundo critérios de oportunidade e conveniência, e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o direito.” [16](g.n)
Por óbvio que se a ação tiver como causa de pedir unicamente erro praticado pela Autarquia, como por exemplo, supressão de procedimento ou não observância da lei, é certo que deverá figurar no polo passivo, mas não nos parece ter sido essa a intenção do legislador nos artigos 57 e 175 da LPI. A concessão de registros semelhantes para particulares distintos dentro do universo da propriedade intelectual que tenha seguido os procedimentos e as normas da LPI ao nosso ver não seria motivo suficiente para classificar tal ato como viciado, pois esbarra no interesse particular e não da função social do ato administrativo em si.
Diante dessa interpretação, o INPI deve assumir a posição que a Lei lhe atribuiu, qual seja, de interveniente especial. É fato que há o legitimo interesse da autarquia na lide cuja causa de pedir seja a nulidade de registro, haja vista sua finalidade precípua de executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, visando assegurar sua função social, econômica, jurídica e técnica, mas incluí-lo no polo passivo, ainda que em um primeiro momento, nesse tipo de ação, nos parece equivocado e contra legem.
Nesse passo, defendemos que a intenção do legislador para com os artigos 57 e 175 da LPI foi de incluir o INPI na posição de assistente litisconsorcial especial, ora do autor, ora do réu, dependendo de quem estiver com o melhor direito, não se tratando aqui de assistência litisconsorcial prevista no Código de Processo Civil, mas sim, da assistência litisconsorcial implantada pela Lei nº 9.279 de 1996, pois nesses casos a intervenção é obrigatória, diferentemente da intervenção prevista no Código de Processo Civil.
Desse modo, temos que a Lei nº 9.279/1996, independentemente das críticas de ordem teórica, criou nova espécie de intervenção de terceiro, qual seja, a assistência litisconsorcial obrigatória, que deve prevalecer sobre a lei geral (Código de Processo Civil) nas ações judiciais de nulidade de registros de marcas e patentes quando o que se busca é o mero interesse particular e não a discussão de vícios de procedimento ou atos ilegais praticados pela autarquia, cabendo ao profissional do direito fazer essa tênue distinção quando da propositura da ação.
São Paulo, 2018
Autor: Reinaldo Oliveira Sivelli
REFERÊNCIAS
Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial. Propriedade Industrial no Brasil – 50 anos de história.
Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial. Resolução nº 37. Disponível em www.apbi.org.br
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 1 vol. 10. ed., São Paulo: Saraiva, 2006.
Dannemann Siemsen Bigler & Ipanema Moreira. Comentários à Lei da Propriedade Industrial e Correlatos, Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001.
DA ROCHA, Fabiano de Bem. Ações Anulatórias de Direitos da Propriedade Industrial e o INPI – Litisconsorte ou Assistente?, Revista da ABPI – nº 68, Jan/Fev 2004
DE SOUZA, António André Muniz – O INPI como interveniente especial nas ações de nulidade de marcas e patentes: Revista da ABPI – nº 73, Nov/Dez 2004
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. 1991, p.40.
NEIVA, José Antonio Lisboa, Questões Processuais Envolvendo Propriedade Industrial, Revista da ABPI, nº 56, Jan/Fev 2002.
NERY JR. Nelson; NERY Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
SCHMIDT, Lélio Denicóli, O INPI nas ações de nulidade de marca ou patente: assistente, litisconsorte ou fiscal da lei?, Revista da ABPI – nº 26, Jan/Fev 1997
THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil, 1 vol. 45ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. USINA DA BARRA AÇÚCAR E ÁLCOOL e outro x INPI, processo nº 2006.51.01.504355-1, 39ª Vara Cível da Justiça Federal, Contestação fls 83/88
[1] Artigo 131, caput, CF/88: “A advocacia – Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.”
[2] Diretoria de Patentes – Dirpa; Diretoria de Marcas e I0ndicações Geográficas – Dirma.
[3] DE SOUZA, António André Muniz – O INPI como interveniente especial nas ações de nulidade de marcas e patentes: Revista da ABPI – nº 73, Nov/Dez 2004. p. 45
[4] BRASIL. Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos a propriedade industrial: artigos 57 e 175.
[5] SOARES, José Carlos Tinoco apud DA ROCHA, Fabiano de Bem, op. cit. p. 28
[6] LOUREIRO, Luiz Guilherme de A. V. apud DA ROCHA, Fabiano de Bem, op. cit. p. 28
[7] USINA DA BARRA AÇÚCAR E ÁLCOOL e outro x INPI, processo nº 2006.51.01.504355-1, 39ª Vara Cível da Justiça Federal, p. 83
[8] TRF 2ª Região, AP Civ 1990.02.13015/RJ, 4ª Turma, Des. Rel Rogério Carvalho, DJU de 25/05/1999
[9] TRF 2ª Região, AP Civ 90.02.061781/RJ, 3ª Turma, Des. Rel Paulo Barata, DJU de 19/05/1994
[10] TRF 2ª Região, AP Civ 92.02.164541/RJ, 3ª Turma, Des. Rel Ricardo Regueira, DJU de 21/11/1991
[11] Revista da ABPI – Associação Brasileira da Propriedade Industrial nº 56 – janeiro-fevereiro de 2002, p. 39-40
[12] TRF 2ª Região – 1ª TESP – Relatora Juíza Federal Convocada Márcia Helena Nunes em auxílio à Dês. Fed. Maria Helena – AC 20025101511477-1 – DJ 08/05/2006
[13] TRF 2ª Região – 2ª TESP – Relator. Dês. Fed. André Fontes – AC 20045101519190-7 – DJ 26/02/2008
[14] DA ROCHA, Fabiano de Bem, op.cit. p. 32
[15] DE SOUZA, António André Muniz, op.cit. p. 51
[16] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. 1991, p.40.