Autor: Reinaldo Oliveira Sivelli. Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP e em Direito Imobiliário Empresarial pela Universidade SECOVI. É membro do quadro de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, sob nº 276.606; membro associado da Associação dos Advogados de São Paulo – AASP e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário – IBRADIM, neste último atuando como participante da Comissão de Estudos de Negócios Imobiliários e da Comissão de Estudos de Societário e Mercado de Capitais. Possui vasta experiência nas áreas do Direito Empresarial, com ênfase em negócios imobiliários, securitização de recebíveis imobiliários, bem como negócios envolvendo marcas e direitos autorais, além de atuar em negócios envolvendo a equinocultura, com atuação tanto no campo consultivo como contencioso – reinaldo.sivelli@oliveirasivelli.com.br
São Paulo
2022
Sumário
2. A IMPORTÂNCIA DA FORMALIZAÇÃO NAS NEGOCIAÇÕES DE EQUINOS. 3
2.1 VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. 4
1. INTRODUÇÃO
No Brasil a equinocultura vem ganhando terreno e grande importância no mundo do agronegócio. Segundo Pesquisa da Pecuária Municipal (PPM) 2020, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE, o Brasil possui um rebanho aproximado de quase 6 (seis) milhões de cabeças de equinos.
De acordo com a “Revisão do Estudo do Complexo do Agronegócio do Cavalo” – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, realizado em 2016 pelo Dr. Roberto Arruda de Souza Lima – ESALQ/USP e André Galvão Cintra – FAJ, a “atividade movimenta anualmente R$ 16,15 bilhões e gera 610 mil empregos diretos e 2.430 mil empregos indiretos, sendo responsável, assim, por 3 milhões de postos de trabalho”[1].
Não obstante os vultosos números e o gigantesco mercado, o setor ainda sofre com a falta de legislação adequada e muitos dos negócios gerados beiram o informalismo.
Nesse contexto, trazemos neste artigo breves considerações, não exaustivas, acerca dos cuidados que se deve ter especificamente nas negociações de venda e compra de equinos.
2. A IMPORTÂNCIA DA FORMALIZAÇÃO NAS NEGOCIAÇÕES DE EQUINOS.
Não raras as vezes nos deparamos com situações nas quais a venda e compra de equinos se dá por meras negociações verbais, despidas de formalismo, na quais simplesmente o comprador paga o preço, até mesmo de forma parcelada, e o vendedor entrega a posse e/ou a propriedade do animal, muitas vezes sem ter recebido a integralidade do preço.
Frente ao cenário acima colocado, não podemos olvidar que os equinos, apesar de serem animais robustos e fortes, são extremamente sensíveis, com vida útil relativamente longa, aproximadamente de 25 (vinte e cinco) a 30 (trinta) anos e, por certo, estão sujeitos a intempéries, tal qual os seres humanos.
Pois bem, nesse contexto, torna-se essencial ao negociar este tipo de animal proceder com a avaliação, não só dos cuidados atinentes a saúde e bem-estar, como realização de exames clínicos e verificação da vacinação, mas também deve ser apurada uma série de outras questões a serem observadas pelas Partes, a depender do caso, por exemplo, existência ou não de registro do animal na associação de classe; existência de prenhes; possibilidade de venda de sêmen ou óvulos; possibilidade de reprodução; possibilidade de utilização como matriz; cuidados com transporte; contratações de seguros; responsabilidade por morte; e por ai vai.
São tantos os detalhes que a formalização de um instrumento escrito se torna imprescindível para prevenção de problemas futuros entre as partes. Diante dessas questões, trataremos aqui de uma das modalidades de negociação que pode ser utilizada pelos criadores ou pela pessoa interessada em realizar a venda de uma animal dessa espécie, que é a venda com reserva de domínio.
2.1 VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO.
Dentre as possibilidades de negociação, nosso ordenamento jurídico, possibilita a realização de contratos de venda com cláusula de reserva de domínio, cuja previsão vem nos artigos 521 a 528 do nosso Código Civil.
Ora, e o que seria a venda com reserva de domínio?
A venda com reserva de domínio nada mais é do que a possibilidade do vendedor, por meio de uma cláusula especial atrelada ao contrato, reservar para si a propriedade do animal até que o preço estipulado para aquisição esteja integralmente quitado.
Portanto, se você é proprietário de um animal e negociou vendê-lo por preço a prazo, poderá reservar para si a propriedade do animal até que o comprador quite o preço por completo, porém, tal possibilidade traz consigo algumas importantes questões que precisam ser observadas.
O primeiro ponto importante a ser observado é que a cláusula de reserva de domínio somente poderá ser utilizada na venda de bens insubstituíveis, devendo a caracterização da coisa, nos termos da lei, ser perfeita, para estremá-la de outras congêneres.
Neste primeiro ponto, surge uma questão muito importante e usual que seria, em um primeiro momento, a impossibilidade de utilização desta regra para animais que não possuem registro nas associações de classe, ou seja, aqueles animais mestiços que não atendam aos critérios das associações para receberem o registro da raça, uma vez que não possuem número de identificação.
Ocorre que é muito comum no Brasil a existência de animais mestiços, sem registro, mas com certo valor agregado. Não raras as vezes encontramos animais nessas condições, porém, com extrema qualidade, sendo utilizados, por exemplo, por empresas voltadas ao turismo equestre.
Nesse contexto, nosso entendimento é no sentido de que ainda que o animal não tenha registro, poder-se-ia realizar a venda com reserva de domínio, desde que o proprietário contrate um médico veterinário para viabilizar a realização da resenha deste animal, que deverá figurar como anexo ao contrato, possibilitando sua perfeita caracterização e reconhecimento.
Outro requisito importante imposto pela legislação civil, é a obrigatoriedade desta cláusula ser estipulada por escrito, portanto, àqueles que pretendem realizar a venda de um animal a prazo com a reserva de domínio, não podem realizar a negociação de forma verbal, estão obrigados a formalizar a venda e compra por meio de contrato escrito, que, também de forma obrigatória, deverá ser registrado no cartório do domicílio do comprador.
Como consequência da reserva de domínio gravada em contrato, a transferência da propriedade do animal para o comprador somente se dará após a quitação integral do preço, mas este último passa a responder pelos riscos a partir do momento em que receber o animal, ou seja, a partir do momento em que o proprietário entrega a posse do animal ao comprador, este passará a responder como se seu proprietário fosse, devendo mantê-lo nas condições em que o recebeu, fornecendo adequada higiene e saúde ao seu bom e correto desenvolvimento físico e psíquico, não o submetendo a condições que lhe sejam adversas, sob pena de responder por perdas e danos, além de responsabilização criminal por maus-tratos.
Muito bem, formalizado o contrato de venda e compra com a reserva de domínio, cumprido todos os requisitos legais, caso o contrato seja descumprido por parte do comprador, o que fazer?
Neste caso o primeiro passo é verificar qual obrigação contratual foi descumprida. Se o descumprimento se deu pela falta de pagamento, o vendedor deverá optar por utilizar-se da cláusula de reserva de domínio e retomar o animal ou cobrar do devedor o valor devido, ou um ou outro, não poderá, por certo, exercer as duas medidas.
Porém, para que o vendedor possa fazer jus a cláusula de reserva de domínio, possibilitando a retomada do animal, seja pela falta de pagamento, seja por algum outro descumprimento contratual, por exemplo, maus-tratos, a primeira medida que o vendedor deverá adotar é a constituição do devedor em mora, trazendo a lei civil, neste caso, apenas duas opções para esta hipótese, sendo: (i) a realização do protesto do contrato de venda e compra ou (ii) a interpelação judicial do devedor.
Aqui vale um parêntese para aclarar que o contrato de venda e compra de equino, desde que assinado pelas partes, juntamente com duas testemunhas, tem caráter de título executivo extrajudicial, passível de ser levado a protesto nos termos do artigo 1º da Lei 9.492/97.
Já a interpelação judicial é uma medida judicial que depende da constituição de um advogado e nada mais é do que uma notificação judicial na qual o vendedor colocará ao devedor todos os pontos descumpridos, para que este possa vir a purgar a mora, ou em outras palavras, solucionar as pendências.
Nesse contexto, após os tramites acima, em não sendo sanadas as pendências, poderá o vendedor então optar, como dito acima, pela ação judicial de cobrança, aqui abrangendo as parcelas vencidas e vincendas, além de outras despesas ou pela ação de reintegração de posse, visando a retomada do animal.
Caso opte pela retomado do animal, a lei civil permite que o vendedor retenha as prestações até então pagas em montante suficiente para cobrir eventual depreciação do animal e outras despesas devidas, ficando obrigado a devolver o valor excedente ou cobrar em juízo o saldo que lhe faltar.
Portanto, com esta breve exposição, deixamos a dica para uma das modalidades de negociações de equinos que, apesar de algumas questões burocráticas impostas pela legislação, é inegavelmente vantajosa ao vendedor, propiciando maior proteção, não só ao animal, que poderá ser monitorado e eventualmente retomado, zelando por sua vida e bem-estar, mas também ao negócio jurídico como um todo.
3. CONCLUSÃO
Neste breve texto tentamos demonstrar ao leitor o quão importante é a formalização do negócio de venda e compra de equinos. A formalização contratual previne futuras intempéries para ambas as partes, resguardando a vida do animal e o negócio jurídico dentro do arcabouço legal, contribuindo para que a equinocultura não seja vista como uma atividade marginal, o que certamente contribuirá para o aumento da segurança jurídica das negociações, situação que certamente será refletida no aumento do número de negócios, fomentando ainda mais esta área tão promissora
[1] https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/camaras-setoriais-tematicas/documentos/camaras-setoriais/equideocultura/anos-anteriores/revisao-do-estudo-do-complexo-do-agronegocio-do-cavalo